segunda-feira, março 21, 2005

Lendas...

Já repararam na riqueza desta região em lendas?
Muitas das povoações transmontanas têm pelo menos uma, que é sempre a mais bela de todas.
Querem ver? Apreciem esta:

O concelho de Valpaços orgulha-se de ser cenário de uma das mais belas lendas da história da literatura portuguesa.A lenda da pastora Comba que ascende à santidade foi escrita pelo poeta e escritor do século XVI, António Ferreira, autor da “A Castro”, uma obra inspirada na vida trágica de Inês de Castro. Nascido em 1528, faleceu em Lisboa no ano de 1569, vitimado pela peste. Formado em advocacia pela Universidade de Coimbra, chegou a ser desembargador do tribunal de relação de Lisboa. Em 1564, casou em segundas núpcias com D. Maria Leite, natural de Lamas de Orelhão, no concelho de Valpaços, local onde recolheu as informações necessárias para a sua “História de Santa Comba dos Valles”.
A antiga lenda fala-nos de um tempo ainda antes da fundação de Portugal, quando o território nacional se encontrava dominado pelos mouros. Conta-nos a história de Comba, um bela pastorinha que com seu irmão Leonardo apascentavam tranquilamente os seus rebanhos.
Sendo possuidora de tão rara beleza, rapidamente despertou o interesse do Rei Mouro que reinava na região de Lamas que, por ela se apaixonou perdidamente. No entanto este Rei Mouro era grande, membrudo e feio com uma orelha de asno e outra de cão, a quem chamavam o Orelhão: “A todos feo, a todos espantoso chamado era de todos Orelhão”.
A pobre pastorinha tremia de terror a pensar no Rei Mouro. No seu desespero, a doce Comba implora a Deus a Sua ajuda para permanecer pura e casta: “Não sou minha, meu Deus, toda sou Vossa, fazei que para Vós guardar me possa”.
O Rei Mouro, perdido de desejo ameaça a pobre pastorinha: “Eu sou teu Rei, tu és minha cativa, não te é melhor seres Rainha e viva, que arderes cruelmente em fogo vivo?”
Indiferente às súplicas e ameaças, Comba refugia-se mais na sua dedicação a Deus. Ferido no seu orgulho, o Rei Mouro persegue a pastora de lança em riste. Perseguida e encurralada entre a lança e um penedo, a pastorinha implora o auxílio dos Céus para que a ajudassem. Miraculosamente, a fraga abre-se, recolhe a pastorinha e fecha-se numa manifestação do poder Divino: “Ó Maravilha grande! Abriu-se pedra, obedece à Santa a rocha dura, obedece-o à Santa e abriu-se a pedra, e defendeu-a da cruel ventura”.
Enraivecido, o Rei Mouro vinga-se no inocente irmão de Comba, Leonardo, estripando-o e lançando-o a um charco.
O autor, António Ferreira, assegura que a ferradura do cavalo com que o Rei Mouro perseguiu a pastorinha, bem como a lança com que matou Leonardo ficaram marcadas na fraga, e a água em que foi lançado o corpo de Leonardo tornou-se numa fonte milagrosa:

“E a fértil chã terra, que ocupava,
Aquele monstruoso e cruel pagão,
Que outros claros Senhores esperava,
Inda se chama de Lamas de Orelhão”!

In Boletim Municipal de Valpaços, Abril 2004

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